Oscar Calixto | Prosa e Verso
"O que não está nos sentidos, não pode existir na inteligência."
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Textos
Quando o Inverno se Fez em Mim 


CAPÍTULO III
 
A
o sair do elevador, deparei-me com um corredor imenso. Com certeza haveria no andar mais de quinze apartamentos*. Perguntava-me como poderia, minha irmã, estar vivendo ali, naquele lugar. Comecei a percorrer o andar observando os números dos apartamentos que estavam acima das portas até encontrar o quinhentos e nove. Sem mais delongas apertei a campainha que não funcionava. Então bati na porta... Logo, percebi que alguém me via pelo olho mágico. E de dentro perguntou:
 
- Quem é?
 
- Modmoiselle, meu nome é Jean Louis Rousseau. Eu estou pocurrando por Pequita.
 
A voz feminina, um tanto quanto grosseira, abriu a porta. Deparei-me com uma brasileira, muito bonita por sinal, que estava em trajes de banho: Um hobbie e chinelos de pantufa. Ela me encarou e obstinadamente olhou-me dentro dos olhos. Subiu a mão acima na porta e chamou por Paquita. Retirou-se em seguida deixando a porta entreaberta.
 
A expectativa por ver e conhecer a minha irmã era tamanha que minhas mãos suavam frio. Arrumei o meu cabelo e logo a porta novamente se abriu e ela apareceu:
 
- O que você quer?
 
Paquita, ou Carla, como conhecia, para a minha ligeira decepção, estava vestida como as prostitutas que encontrei na entrada do prédio.
 
- Pequita, eu... Me chamo Jean Louis Rousseau... Eu...
 
Antes de terminar, ela me interrompeu dizendo:
 
- Olha só, cara, eu não lembro quando foi que saí com você, mas eu não atendo em casa! Aliás, eu detesto que me procure em casa... Se tá afim de programa me espera lá em baixo no ponto, tá?
 
Antes de fechar-me a porta na cara eu a interrompi perdendo até mesmo o pouco do meu péssimo português:
 
- Je suis tu irmon!
 
- Quê que você disse?
 
Então, me dei conta e repeti:
 
- Eu sou séu irmon, menina.
 
- Que irmão? Eu não tenho irmão gringo.
 
- Eu náo sol gringo. Quê dizer, eu mórro lá fórra, mas sol brrasileiro. Filho de sua máe e de seu pai. M'excuser, seu pai sê chama Antônio des Florres? E sua máe Adrriana Esteves?
 
- Sim... Se chamavam. Eles morreram.
 
- Eu sei... Eu sei...  Eu sou séu irmon.
 
   
CAPÍTULO IV
 
C
arla e eu saímos do prédio e naquele dia ela não foi “trabalhar.” Conversamos um pouco sobre tudo. Inclusive sobre sua “profissão”. Era inegável a condição de que ela seria mesmo a minha irmã. Éramos tão semelhantes na cor dos olhos, tão parecidos fisicamente... Na cor dos cabelos, no tom da pele e, até certo ponto, tão parecidos no modo de encarar a vida, que não haveria como negar o fato de ser mesmo a Paquita minha legítima irmã. Ela sabia da existência de um irmão. Mas nunca esperava que fosse um gringo, como ela mesma me definia, e muito menos que ele viesse a bater em sua porta. Nosso pai havia lhe contado sobre mim e viva à minha procura desde quando ela ainda era criança. Disse-lhe que viviam em imensa dificuldade financeira na época em que eu nasci e que os meus pais adotivos, sobrinhos de minha mãe, haviam estado no Brasil no final década de setenta.  Foi aí que me deram para eles, pois enfrentavam imensa dificuldade para me criar dignamente.
 
Eles haviam me dado para minha mãe adotiva na esperança de que, na França, eu pudesse ter uma vida melhor. Minha mãe adotiva era filha da Madmoiselle Sabrine, irmã de minha mãe verdadeira e a única pessoa rica da família. Muito embora tivesse saído de casa e odiasse minha verdadeira mãe, (o motivo ainda nos era obscuro), achavam que Madmoiselle Sabrine Rousseau, minha avó postiça, e na verdade, Sabrine Esteves, teria compaixão me dando, em vida ou pós-morte, as condições sonhadas por meus pais verdadeiros para a minha criação.
 
Contudo, depois que minha mãe morreu no parto de Paquita, (como agora é conhecida), meu verdadeiro pai sentiu-se arrependido e acabou morrendo esquartejado numa linha de trem sonhando em algum dia me encontrar. Eu tentava entender toda a história da minha vida, que somente agora conhecia de verdade. Questionava-me por que não haviam me criado ali mesmo, como ela, como filho, mesmo diante de tantas dificuldades. Ao mesmo tempo em que  imaginava que espécie de vida eu teria no Rio de Janeiro se minha própria irmã tinha acabado por se tornar prostituta. Ao invés de preconceito, revolta ou qualquer sentimento parecido, tecia por Carla e por minha família, o sentimento de pena e compaixão enquanto ela me contava sobre tudo que passavam e sobre como tinha ido parar nessa vida. (A tentativa da sobrevivência é algo por vezes cruel e sem saída). Sentia também uma imensa felicidade por tê-la encontrado, enfim. Após essa conversa, que demorou quase a noite inteira, e de onde inevitavelmente alguns pontos permaneceram obscuros, como o ódio mortal de minha avó por minha verdadeira mãe, em frente à areia do mar de Copacabana, eu lhe fiz um convite:
 
- Pequita, vócê não querr sairr dessa viida? Te digo, minha irrmã. Que en Parri ttenho poco, mas com o poco que ttenho pôsso ajudar vócê!
 
-Tá falando sério? Tá me chamando pra morar em Paris?
 
- Oui, oui... Estou.
 
- Nossa, nunca sequer sonhei com isso! Mas o quê que eu vou fazer em Paris? Não sei falar a língua de lá. A não ser que me entendam se eu fallar achim que nem vócê!
 
- Pequita, você aprrende. Non prrecisa trrabalhar já! Tem tempo. O que eu querro é ter a minha irrmã do lado. Eu trrabalho, posso te ajudar.
 
Paquita aceitou meu convite. Passamos alguns dias no Rio de Janeiro conhecendo a cidade. Pedi para que saísse da casa onde estava, e onde vivia com outras prostitutas, e se hospedasse num pequeno hotel junto comigo para ficarmos mais perto. Ajudei, com um pouco de dinheiro que trouxe, algumas amigas dela, mas era visivelmente claro que aquelas não estavam ali pela mesma força do acaso da vida de minha irmã.
 
Após os dias de turismo, e de burocracia inefável para retirar seu passaporte, chegou então o dia de nossa partida para Paris. Arrumamos nossas malas e fomos para o aeroporto Tom Jobim, conforme o combinado. Jantamos num restaurante da praça de alimentação após comprarmos várias “lembrancinhas” do país amado. As onze e trinta, embarcamos de volta para Paris.
 
(Continua...)

*
O prédio a que me refiro, no texto, realmente existe: Fica na Barata Ribeiro, próximo à estação de metrô Arco-Verde e é mais conhecido como Duzentos. Já morei lá... Cerca de quinze apartamentos por andar e em cada andar acontecem mil histórias... Só consegui morar  lá por duas semanas! 
Oscar Calixto
Enviado por Oscar Calixto em 14/10/2007
Alterado em 14/10/2007
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