Jeniffer
Era final de junho, e como sempre haveria de ser nessa época do ano, Jeniffer se arruma para mais uma de suas viagens. Em sua cama, a bagagem que ainda não tinha sido arrumada; na penteadeira antiga, que insistia em possuir como lembrança de sua mãe, o batom e a maquilagem que a pouco separava. A janela estava aberta e o vento soprava soturno.
Jeniffer era uma moça de olhos azul-celeste, linda como haveria de ser uma moça no auge dos seus vinte anos. Era magra, mas não muito alta, apresentava sempre um sorriso muito sincero porque gostava de ser simpática. Sua face possuía traços marcantes lembrando um pouco os traços de grandes estrelas como Marilyn Monroe e Anita Ekberg. Seu corpo, esculturalmente desenhado, e como que feito à mão, num tom quase canela, tornava-se alvo do desejo de todos os velhos e adolescentes, além, é claro, dos homens casados e os descontentes. Ela era uma musa. Seus cabelos balançavam enquanto o vento soprava soturno.
Danuza era uma cidade tranqüila, sem muitos agitos. Tinha de tudo um pouco, vez ou outra é que se tornava um pouco mais movimentada, devido à chegada daqueles que fogem da cidade grande. Conservava em seu todo a característica de cidade pacata e por este motivo Jeniffer a tinha escolhido para morar.
Faz hoje sete dias e era domingo quando a vi pela ultima vez - Ela estava linda - Num vestido cor de rosa e com os cabelos soltos ao vento reluzindo incandecentemente enquanto passava, num passeio, pedalando sua bicicleta. Faz hoje sete dias...
À noite, quando saia, Jeniffer costumava ficar sentada no banco da praça, onde jovens namorados costumavam ficar para olhar as estrelas. E ela sorria. Hoje faz sete dias. Era este dia no final de junho. E como sempre haveria de ser, Jeniffer estava feliz, apesar não ser.
Jeniffer sempre foi muito discreta, poucos sabiam o que fazia de sua vida. As meninas da escola inventavam outras vidas, outras histórias, das quais Jeniffer era tão somente personagem ilustrativo, porque não condizia com a sua realidade. Inventavam porque não a conheciam e porque não a conheciam imaginavam. Ela gostava de ouvir, mas não condizia, e ela sabia, não condizia com o que vivia. Nunca desmentia, ela nunca se infligia.
Era final de junho e era domingo, a rua estava deserta e Jeniffer dormia. Sua casa era muito modesta - Constituía-se de mobílias muito antigas, em sua maior parte, porque herdara tudo de sua mãe e não queria se desfazer de nenhuma delas - Era domingo e, como sempre haveria de ser, ela tinha assistido um filme. A capa que o guardava estava no chão, e o vento soprava soturno.
- Jeniffer?
- Maurício?
- Vim lhe pedir desculpas.
- Desculpas?
Era domingo e Jeniffer estava sozinha. Tinha ódio de Maurício e tinha jurado nunca mais revê-lo, mas não sabia, ao abrir a porta, nem mesmo cria que o estava vendo em sua frente naquele estado deplorável, encharcado pela chuva, todo sujo de barro e com um terrível bafo de cachaça pedindo:
- Desculpas...
- Não sei se devo, juro que não sei.
Jeniffer era uma das pessoas mais humanas que se conhecia. Sempre perdoava, e esse foi o seu erro. Maurício era o antigo namorado, um sujeito sujo, portador de uma índole perversa que não queria outra coisa senão possuir o coração de Jeniffer.
Era final de junho e, como sempre haveria de ser, ela estava se preparando para uma viagem de costume. Sua viagem tão esperada todos os anos, agora já não mais faz sentido. E todos que a esperam continuarão a esperar sem saber que ela não mais irá chegar.
No apartamento em Danuza ela o havia perdoado, mas não o queria como namorado e ele a havia estuprado porque ela havia recusado a fazer amor. Na sala tudo estava arrasado, no corredor o seu vestido jogado, no seu quarto a bagagem que ainda não tinha sido arrumada estava sobre a cama e seu corpo estendido ao seu lado. A janela batia e o vento soprava soturno. Era domingo e hoje faz sete dias.
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