Oscar Calixto | Prosa e Verso
"O que não está nos sentidos, não pode existir na inteligência."
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Textos
Para sempre meu lar...

Veneza, 06 de julho de 1980.

Sobre minha cabeça o luar inconstante revelava sua face entre as luzes de estrelas cintilantes. Vendo a sina das gôndolas que passam com pessoas expondo suas faces em cena, sob a figura protagonista do Grande Canal, senti-me como que sozinho no meio do nada, afundando aos poucos junto com a cidade flutuante.

Sobre a Ponte dos Suspiros, que embora tenha uma conotação romântica, tenha sido, na verdade, caminho amargo de prisioneiros que se despediram de sua liberdade para sempre, eu derramava no rio o meu encanto e junto  com ele o meu pranto de felicidade: Pela primeira vez eu sentia o ar da liberdade. Estava em Veneza e isso era tudo o que esperava da vida.

Caminhando por entre ruas românticas, sob noites tão claras que iluminavam as avenidas e faziam dos casais que namoravam sobre as pontes retratos de um cartão postal que eu enviava à minha família eu arrepiava por inteiro. Isso acontecia por sentir introjetado em mim o encanto de uma nova vida. Eu dizia isto nas cartas e postais que enviava:

"A cidade é linda por completo e tem em si um clima especial, talvez encontre aqui a felicidade que tanto procuro. Vejo que tudo aqui pode ser muito menos sofrido e obscuro que já foram todos os dias de esquinas sórdidas em minha vida. Saudades de todos... Mark. Veneza, 04 de julho de 1980."

"Por entre uma avenida e outra, solitário, posso ver as tropas de Carabinieri, em seus trajes típicos, cerimônia saudada pelas badaladas do sino da torre de Campanille, de onde faço este escrito.

Talvez eu o mande não por correio, mas dentro de uma garrafa que seja solta no mar... Se ela não os encontrar, talvez seja porque não era o dia, nem a hora, ou porque os ventos daí não eram os mesmos que sopram os meus desejos, e talvez seja por isto que ela tenha se perdido indo parar em qualquer outro lugar, sem endereço correto, nem curso que seja certo, onde chegou apenas por chegar e talvez onde possa o meu próprio coração a guiar.

Eu me perdi no labirinto de Ruazin, antes mesmo de vir para cá.  A ponto de outro dia estar a caminhar pelas ruas e encontrar, com costas quase nuas, uma moça que me lembrava minha amada Sophia, que já não faço idéia de onde esteja. Ela me fez com entusiasmo correr atrás dela pela avenida e encostar minha mão em seu ombro suplicando dela um beijo mesmo antes de  virar-se para que eu visse sua face. Achei que era mesmo Sophia. Nosso amor era tão bonito e gostava tanto quanto eu de Veneza. A ponto de ainda ter esperça de encontrá-la passeando de gôndola em algum canal. 

Que tamanho embaraço e decepção frustrante foi a minha, ao ver que era aquilo um mera coincidência. Coincidência que me obrigou a ter que pedir desculpas por me engananar veementemente, incomodando e roubando assim alguns segundos do seu dia por puro engano. As ruas de Veneza têm certa magia que às vezes cria uma ilusão de óptica durante todo o dia e especialmente à noite. Agora por exemplo vejo, na Praça São Marcos, a morte que me clama nessa ilusão de óptica, e acena pedindo que vá até o seu lugar. Mas deve ser engano, porque não pode ser a mim que ela deve chamar... Eu nem mesmo completei minha felicidade, ela não poderia... Se bem que a morte não escolhe horários, nem espera a nossa felicidade ser completa para vir nos buscar e encerrar assim o nosso dia.

De qualquer forma, quero lhes dizer que consegui achar o que tanto procurava. Para mim, Veneza é a cidade onde quero estar até o dia em que de um sono profundo eu me esqueça de acordar... Agora o sol já nasce e é tão forte o seu despertar... Por todo céu sua luz invade, por entre as águas dos rios, no Palácio Ca'Rezzonico, na ponte Degli Scalzi... É tão bonito este dia... Acho que encontrei sim a felicidade. Valeu a pena levantar-me da cama, ainda que debilitado para ver mais um nascer do dia. Minha noite se despede de mim com saudades, porque tudo agora é claridade.

Felicidades...
Mark"


Veneza, 09 de agosto de 2004.

O Casal que achara a garrafa, enrolou novamente aquela carta, a colocou de volta na garrafa, tampando-a com a mesma rolha, e fê-la voltar aos rios de Veneza por onde ela fora navegando sem parar até voltar novamente de encontro ao mar...


Veneza, 31 de dezembro de 2004.

A garrafa está de volta no mesmo lugar. 
Junto dela, outra garrafa.



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Oscar Calixto
Enviado por Oscar Calixto em 04/09/2007
Alterado em 04/09/2007
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