Três dias antes: Arroz Cozido
Era noite e Das Flores via Tv. Com os pés em cima de uma mesa de centro, comia pães de queijo. Seu ar, seu trejeito de chefe de família, era em tudo inspirado em seu próprio egoísmo e em seu sentimento de poder e controle sobre Clarice. Na cozinha, ela preparava seu chá de costume e entrando na sala, belíssima, ela lhe entregou a xícara. Ele olhou pra ela e absolutamente nada comentou. Tomou a xícara e, quando Clarice voltou à cozinha, ele bebeu o primeiro gole. Em seguida voltou os olhos para a tv ligada. Ao quarto gole, sentiu algo estranho e chamou por Clarice:
- Clarice!
Levantou-se e em pouco tempo e a poucos passos, ele caiu. Começou a debater-se pelo chão. Foi aí que Clarice chegou. Pronta para sair, ela sorriu dizendo:
- Espero que tenha gostado do chá. Este foi seu útimo. É o chá do esquecimento. Durante anos, você tirou minha vida, agora, Das Flores, eu tiro a sua. Logo estarás com o Diabo, diga pra ele não me incomodar. Não acho que estarei com ele por causa disso que lhe faço. Afinal, eu só estou lhe dando exatamente aquilo que me deu durante todos esses anos...
Das Flores se debate no chão enquanto Clarice conversa calmamente:
- É ruim morrer, não é? Eu que o diga. Mas é isso, cada um tem seu destino... Pena que poucos o mudam.
Clarice vai saindo e Das Flores, debatendo-se no chão, tenta alcançar o telefone. Clarice, com a língua entre os dentes, viu, balançou a cabeça e disse:
- Ah, ah, ah, ah... Eu não faria isto. O telefone está cortado. Bem, meu querido, tenho que ir. Eu tenho um encontro. A partir de hoje, sou uma mulher livre. E como é bom esse incenso. Espero que, quando eu voltar, você esteja mais tranquilo. Fique com Deus! Ou melhor, com o Diabo!
E saiu...
Clarice encontrou-se com Gervásio de frente ao antigo depósito de bebidas conforme o combinado. Eles dormiram juntos e, enquanto ela vivia, Das flores morria em casa. E morreu como ele toda sua estupidez, sua insensatez e males da vida. Clarice contou o que tinha feito a Gervásio e eles fugiram juntos na esperança de enfim viverem tudo aquilo que sempre tinham sonhado.
Dois dias antes: Suco de Limão
Liz chegara à casa de Peixoto. Estava ainda diante da porta, mas não sabia se o que fazia era correto. Totalmente desconfiada, ela bateu... Peixoto abriu rapidamente e a fez entrar... Entretanto, tratou logo de lhe informar:
- Olha, eu só vim mesmo porque o senhor me deixou na dúvida. Mas acho essa situação ridícula. Eu me sinto vasculhando a vida de Gumercinda.
- Pois lhe digo que se quiser conhecer Gumercinda será apenas deste modo. Ela representa para a senhora. Representa para todos... Depois me pinta de mau marido...
- Eu só vim porque o senhor insistiu, senão não viria. Saiba que não fica bem pra eu vir aqui quando ela não está em casa.
- Não se preocupe porque ela não irá lhe ver. Assim que chegar, eu escondo a senhora no quarto. Certamente fará um escândalo por eu não ter ido ao trabalho e aí verá quem é sua amiga, como me trata. Eu preciso muito que a senhora seja testemunha disso. Não estou mais disposto a viver desse modo.
- Está bem, eu topo. Mas se estiver me enganando, eu quero que saiba que armo um escândalo... E vou fazer o senhor...
Nesse momento Gumercinda entrou na casa. Bateu a porta... Peixoto tratou de esconder Liz no guarda-roupas do quarto. Ia de encontro à Gumercinda, mas então ouviu, de longe, gargalhadas. Percebeu que viera acompanhada e tratou logo de esconder-se no mesmo quarto que escondera Liz. Sem muitas opções, enfiou-se embaixo da cama. Logo Gumercinda entrou numa farra desengomada e, no meio de tantos risos, proferiu:
- Sabe que adoro fazer amor assim... Escondido? Dá mais emoção, tudo fica mais gostoso. Eu gosto do sabor do perigo...
Do guarda-roupas, Liz ouvira algum cochicho, como quem responde algo no ouvido. Curiosa, abriu uma pequena fresta de onde abismada conferiu. Gumercinda gargalhava:
- Ai, Alvarenga... Quando enfim estaremos livres daqueles suplícios?
Gumercinda segurou o rosto dele com as duas mãos e disse:
- Quando é que vai deixar sua esposa? Ahm?
Ao que respondeu o cretino:
- Ora, Gumercinda, não me faça essa pergunta! Sabe muito bem que inferno é a questão do divórcio. Se largo, ela fica com metade de tudo. Não estou preparado financeiramente para isso. Então, sendo assim, não acha melhor continuar do jeito que estamos?
- Não foi bem isso que combinamos. Você me prometeu que se livraria dela... E eu do Peixoto. E assim o fiz: Mês que vêm nós vamos para São Paulo novamente, daí eu dou um jeito nele. E quanto à Liz, está na rua da amargura... Revoltadíssima. Na última conversa que tivemos repetiu "Não aguento mais" milhões de vezes. Porque não a põe logo num carro ladeira abaixo? Ou então você poderia inventar um passeio de monomotor e atirá-la lá de cima... Sei lá, são tantas opções... Mas não quero me meter, você sabe o que é melhor pra você! Só não suporto mais vê-la lamentando toda vez que vou lá... É um porre isso! Gostaria que resolvesse logo esse assunto. Há anos espero.
E ele retrucou...
- Eu vou resolver... Eu vou resolver... Agora vem cá... Eu não vim aqui a toa, não é?
E começou a acariciá-la na intenção mesmo de despertar sua fúria sexual.
- Alvarenga, você é um safado!
E no meio de tantos fervilhos sensuais, transaram enfim. Em cima de Peixoto e aos olhos de Liz que mirava-os pela fresta do guarda-roupas. Em um dado momento ela se negou a olhar e chorou baixíssimo, entalada entre as roupas de Gumercinda.
(Continua...)
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