Três dias Antes: Carne Fresca
Liz saíra de casa para as compras. Sua aparência era simples, conforme os modos do marido que ainda insistia para que amarrasse o cabelo e usasse óculos quando fosse sair, mesmo não tendo ela nenhum problema de visão. A intenção do mesmo era enfeá-la o máximo possível... E ela sabia, mas como não atender às regras do marido? Morava num bairro de senhoras mexeriqueiras que sempre que a viam cochichavam ou apontavam-na durante a passagem. E assim Liz estava quando deu de cara com Peixoto saindo desesperado de casa, chorando e com as mãos no rosto. Peixoto veio em sentido oposto ao que vinha Liz. Ao vê-lo naquele estado, ela estacou e ficou mesmo por observá-lo se aproximando. Ao chegar perto, não aguentou:
- Peixoto, o que há?
E ele desesperado:
- Não há nada Liz, nada...
- Como não? Se acabo de vê-lo saindo de casa nesse estado? Ah, meu Deus... Aconteceu algo a Gumercinda?
E Peixoto pára...
- Antes tivesse acontecido. Minha vida é um inferno. Eu não aguento mais. Casei com uma mulher que quer me fazer de escravo.
- Gumercinda?
- Ela mesma. Não é nada do que parece ser. Essa mulher é o demônio.
- Ora, Peixoto, você me desculpe, mas eu não posso acreditar... Gumercinda é um doce. Não seria capaz de fazer mal a uma mosca.
- Pois fique sabendo que ela me bate. Eu até sinto vergonha disso... Vergonha, mas ela me bate. Um homem apanhando da mulher. Nunca disse a ninguém, mas eu não suporto mais essa situação, não suporto.
- Fico impressionada como você é mau-caráter. Conheço Gumercinda desde que mudei pra cá e ela sempre me pareceu muito doce. Aos domingos sempre nos visita e traz biscoitos, brigadeiros e bolo. Agora vem você e me diz que ela te bate? Você deveria ter vergonha disso, seu Peixoto! Pois bem sei das coisas que faz pra ela. Ela me conta tudo, de como é bruto com ela...
- Ainda por cima mente! Mente como uma condenada! Nunca fui capaz de encostar-lhe um dedo. Nunca lhe disse uma só palavra amarga. É tudo mentira, é ao contrário. Ela que me xinga, que me humilha e me põe pra fora de casa. Ela que me bate e enquanto lhe leva bolo, me deixa sem comida em casa. Se não acredita em mim, eu lhe provo. É só esconder a senhora lá em casa algum dia. E não é só isso, é muito pior. Só estou com ela por causa dos filhos, dos filhos, só. Não aguentaria viver sem meus filhos.
- Não consigo acreditar nessa história. Quando vai à minha casa, por exemplo, me parece tão amável e tão servil com o senhor. Mas, ao mesmo tempo, lhe pinta um monstro.
- Ela me obriga a encenar esta farsa para os outros. Para os da rua, Gumercinda parece a mulher mais gentil e servil do mundo. Mas em casa... A coisa muda de figura. Me atira tudo que tem na frente. Já me chamou de pederasta e de várias outras coisas que não quero nem dizer. Casei com ela porque amava, mas depois de casado minha vida virou um inferno. Olha isso aqui:
Peixoto abriu a camisa e mostrou a Liz uma cicatriz enorme na barriga:
- Sabe o que foi isto?
- Não posso imaginar...
- Lembra da vez que estive em São Paulo com Gumercinda?
- Lembro.
- E da cirurgia de fígado que fiz por lá?
- Como não? Quando chegou no Rio, eu e Alvarenga fomos visitá-lo.
- Pois bem. Não foi cirurgia coisa nenhuma. Tudo mentira. Ela tentou me matar.
- Mas por quê?
- Não, sei... Do nada, enquanto estava dormindo, ela puxou uma faca e me atacou. Veja direito essa cicatriz. Não é cirurgia, é corte de faca. Não se alastra pelo fígado. Vê? Desce ao intestino. No hospital, alegou acidente e aqui disse a todos que sofria de cirrose hepática... Mas a verdade é que ela quis me matar. Ela quis me matar...
- Meu Deus, é verdade, eu não entendo. Mas é verdade. Desce ao intestino.
- Se quiser saber mais da sua amiga, amanhã, na hora em que sair às compras, eu lhe escondo em minha casa. Deixo de ir para o trabalho, mas faço questão de lhe mostrar. Se eu morrer um dia, ao menos alguém saberá que não foi acidente... E nem que morri lutando contra a cirrose. Eu não tenho cirrose. E posso provar.
Batatas Cozidas
Liz olhava com ódio nos olhos, como antes nunca na vida houvera sentido. E dentro do estado deplorável respondeu a Alvarenga:
- Sou energúmena sim. E o que mais? Heim, Alvarenga? E o que mais? Já me humilhou de tudo nessa vida: Puta, suja, vadia? O que mais? Pode dizer.... Depois eu saio e digo quem você é na Rua. Você quer que eu diga?
- Cala essa boca...
- Como me possui, com me chama, o que faz comigo? Você quer que eu diga? Heim, Alvarenga? Me diz!
Alvarenga a perseguia, mas ela continuava olhando pra ele e continuou exalando:
- Eu vou gritar na rua inteira, Alvarenga... Eu vou sair de casa nua... Você duvida? Duvida? Eu nunca tive coragem, meu filho, mas agora eu tenho. (e começou a tirar a roupa, atirando-a pela casa e jogando uma ou outra peça em cima de Alvarenga.) Eu vou gritar que você me bate... Ahm?! Você não me fez falar que minha vagina é imunda? Pois bem, eu vou falar horrores de você... Que você me possui à força porque eu não sinto nada por você. Que você não sabe ter uma mulher. Que você me trata como bicho. Que não sabe me dar prazer... Eu vou falar... (gargalha) Vou falar... Vou falar que seu pênis é mínimo!
- Liz, pare com isso já!
- Eu tenho nojo de você, Alvarenga, nojo!
E Alvarenga partiu pra cima dela neste momento. Ela se afastou, gritou como uma louca, quebrou uma garrafa, apontou o caco de vidro para ele e o ameaçou:
- Fique onde está, michê!
(Continua...)
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