Cortando Cebolas ou A Hora do Jantar

(Capítulo II)

Cinco dias antes: Cebolas

Na cozinha, Liz, Gumercinda, esposa de Peixoto. Clarice, esposa de Das flores preparavam o almoço. Clarice cortava cebolas, enquanto os homens se divertiam na sala, com exceção de Gervásio. Gumercinda continuava um papo que haviam inciado há um certo tempo já:

- Peixoto é assim. Um grosso! Não há um dia só que não tenhamos atrito. Ele nunca me bateu, não é louco. Mas logo isso acaba. Já passei do meu limite. Mês que vem entrego-lhe o divórcio. (em tom de piada) E não vou ficar sozinha... Já tenho pretendente.

E todas se divertiam neste momento... 

- Pois o Das Flores é um exemplo de homem. Tão carinhoso... Não tenho o que falar. Outro dia acreditam que cheguei em casa e a encontrei toda cheia de flores? (A música "Como é grande o meu amor por você" começou a tocar no rádio e, no pensamento de Clarice, surgiu a lembrança dela chegando em casa) Entrei na sala e fui recebida com música romântica. (E no pensamento dela, a imagem de Das Flores bêbado vindo ao seu encontro e arrastando-a pelos cabelos) Tocava Roberto Carlos. (Ele socando a cabeça dela contra a parede) Pelo chão, pétalas de rosa... (Ela sendo atirada no chão) Quase me falta a respiração. (Ele partindo pra cima dela e sufocando-a com uma das mãos) Em seguida ele me deu um beijo suave, (um soco na cara) me pegou nos braços (arrastando-a pelo antebraço) e me deitou na cama. (sendo atirada na cama) Na cabeceira havia uma rosa. (As mãos dele colocam uma arma na cabeceira) Ele disse que me amava (Das flores xinga Clarice de puta, desabotoando o cinto e arriando as calças) e fez amor comigo como nunca houvera feito antes. (Ele transa com ela à força).

As outras mulheres estavam com o olhar fixado em Clarice e, voltando a si, ela percebeu e fechou o pensamento mentindo: 

- É o homem da minha vida.

Clarice disse isso profundamente emocionada... Liz foi até a mesa:

- Clarice, você está chorando?

- Imagina... Imagina! São as cebolas...

Todas se entreolharam enquanto ela continuou cortando cebolas.

Azeite

Alvarenga jogara Liz no chão e ela se movia para trás com as mãos enquanto ele se aproximava.

- Você é uma desgraçada, mulher. Não tem mãe?

- Alvarenga, pelo amor de Deus, chega, eu não agüento mais...

No caminho, Alvarenga parou no bufê e atirou todos os vasos que sobram em cima dela. E Liz se livrava à medida que os vasos eram atirados e estouravam nas paredes e no chão.

- Vadia! Imunda! Você merece morrer, sua desgraçada.

E partiu para a cristaleira de canto derrubando-a num único grito. Estacou após o feito. Liz estava com uma mão sobre o rosto e olhava para o chão neste momento. Seu rosto sangrava devidos alguns cacos que a acertaram durante o tormento.

- Você não tem alma, mulher... É uma energúmena.

Ela conteve o choro e vagarosamente olhou no fundo dos olhos de Alvarenga.

Quatro dias antes: Vinho Branco

Clarice saiu de casa, trancou as portas e com uma bolsa na mão seguiu para a farmácia. No caminho encontrou Gervásio. Pararam um de frente ao outro. E após anos, sem nem trocar idéia, para sua surpresa, ele falou com ela:

- Clarice...

Gervásio tinha sido seu antigo namorado nos tempos de escola. Era louco por ela mas, conforme induções da família, acabou se casando com Das Flores. Era rico, tinha procedência... Poderia ajudar à família e lhe dar o conforto que era merecido. Clarice Demorou um pouco a responder, mas obstinada, ela o fez e continuou em direção a farmácia.

- Oi...

- Espera...

E ela estaca...

- Eu gostaria de falar com você um minuto, se for possível.

- Sim, claro, é que estou indo à farmácia.

- Olha, eu entendo seus motivos e respeito. Respeitei durante anos. Sei que não fica bem falar com você, uma mulher casada, aqui na Rua. Mas é que... Não suporto a idéia de passar e não poder lhe dar nem um bom dia... Mas eu sei... Eu sei... E entendo... Eu sei a vida que leva. Não tenho raiva de você. Nunca tive. Compreendo. Eu fui um rapaz pobre. Nunca tive recursos... Minha família sempre precisou de ajuda. Nunca pudemos colocar nem um alimento decente na mesa. E sua família sempre quis o contrário: Um rapaz rico. Nada mais natural que querer casar a filha com um homem rico. Só não suporto ouvir falar das coisas que ele faz contigo. O povo comenta, Clarice. O povo comenta... Sei que nesse sentido também não posso fazer absolutamente nada. Afinal são marido e mulher... Mas se pudesse... Bem, ao menos se pudesse falar comigo, contar suas angústias, confesso que estaria mais tranqüilo. Por saber que existe alguém com quem desabafa. Não quero nem nunca quis atrapalhar sua vida... Eu só realmente desejo que seja feliz, que...

Clarice o fitava nos olhos e se derretia a cada palavra do monólogo de Gervásio. Então, num ato súbito, lhe disse:

- Me beija?

Obviamente Gervásio ficou surpreso e, pasmo, ele disse:

- Como?

- Me beija!

- Clarice, mas como é isso? Aqui?! É um perigo!

- Eu não me importo. Me beija! Eu não suporto mais essa vida enlouquecida. Não quero passar por você e não poder lhe dar bom dia. Ninguém está na minha pele, ninguém entende o que faço. O Das Flores é um bruto, ele me bate, ele é o Diabo. Mas pelo amor de Deus, não tenha ódio de mim, eu não fiz por maldade. Casei com ele obrigada. Meu coração na verdade chorava pedindo você. Quando entrei na igreja, era você que eu via. Quando disse sim, era você que eu queria. E quando me deitei na cama com ele, era você que eu sentia. Me beija, Gervásio... Me beija como se eu fosse tua, pois a partir de hoje serei uma mulher livre. Não quero viver nesse mar de infelicidade. Não quero viver nessa escuridão. Por favor, me dá uma luz.

E tomando-a nos braços a beijou na frente de todos. Não se importaram com ninguém... Após o beijo, se olharam e trocaram carícias. Com a mão em seu rosto disse Clarice:

- Agora tenho que ir, preciso ir à farmácia. Quinta-feira à noite me encontre. Serei sua esta noite. Me encontre de frente ao antigo depósito de bebidas às nove e quinze. Não se atrase um minuto.

- Louca... Estarei lá, Clarice, estarei lá.

- Eu preciso ir.

- Claro... Vá... Vá...

- Então Adeus... Eu te espero...

E se despediu de Gervásio dando-lhe outro beijo. Caminhou faceira e olhou para trás sorrindo. Gervásio permaneceu onde estava e também sorrindo pôs as mãos nos bolsos enquanto a observava na sua caminhada.

(Continua...)

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