Submundo de um Escritor Renascentista.
Castigaria-me o autor da vida por querer finalizar a minha história? Sei dos meus limites e é este o fim da minha trajetória. O meu coração está no abismo, o meu eu clama a Deus com cinismo. Não saberia nunca explicar onde Deus deveria estar. Meio a tantos livros e tantos escritos estou sozinho. Embora haja vida em suas folhas, personagens diversificadas que adornam e instigam minha imaginação, enriquecendo a minha personalidade, eu estou sozinho. Eis que vejo-me entrecortado num mar sarcástico e púbico de desordem e confusão.
Quero excretar-me da vida e fugir das palavras escritas que me trouxeram maldição. Quero fingir nunca ter dito nada, nunca ter escrito uma vírgula, quero não mais ser autor de quaisquer palavras nesta ocasião. Pois o julgo que carrego, por toda minha vida em verso, me é demasiadamente grande, crítico, pesado e inoportuno.
Questiono-me incessantemente mas não encontro forma correspondente que me faça, pelo menos, um pouco mais feliz com uma resposta convincente. Sinto-me perdido num mar de ilusão, onde de um mergulho profundo a única coisa que me resta é nada mais que a falta de respiração. Submerso num submundo que me remete do mundo um sentimento de aversão.
Certo de que a análise de minhas faltas correntes, que justificam o fato de eu estar aqui presente, seja em espírito, ou mesmo em corpo presente, entre as palavras que lhes profiro, uma forma vulgar de conservar também o meu estilo. E assim abdico de minha corrente.
Sinto não ter sido conivente com tudo o que se passa em nossa época. Sinto ter sido pra você, o segundo ato de uma grande tragédia. Sinto não ter falado apenas sobre o que lhe agrada. Minha índole perversa não me conduziu a tal lugar de forma particular como as que acontecem nos poemas. Não, eu não sou um poeta. Eu sou um ser vívido, crítico, irregular e insano.
Mas eu não desejo fazer-me causador do seu mal estar. Não sou inovador nem criador de novos movimentos nem sistemas neuro-linguísticos. Nem aplico suas técnicas como bases fundamentadas sobre os argumentos que estou a proferir neste momento, pelo simples fato de não precisar, porque falo de vida. E a vida é por si só o argumento, a base, o fundamento. Não modificarei dela o seu percurso, o seu caminho, porque ela própria tem a sua trajetória, embora eu a tenha conduzido até aqui de forma errônea e imprópria.
Antes não quisesse ter derramado minhas filosofias e manchado sua vista com as pontas de meus dedos. Maldita reunião de palavras que acabaram por me levar ao chão. Já não sou mais nada. Já não tenho salvação. Creio estar perdido e sinto o mal de ter sido traído pela língua de meu semelhante que não viu tão adiante como viu meu coração. Ah, palavras, que espírito de aversão! Perdi-me num mar de calamidades no qual estou em reclusão. Para mim, não há mais nada e por isso lhes peço perdão.
Perdão, eu lhes peço, por ter sido equivocadamente honesto. Perdão, eu peço, por ter sido demasiadamente humano. Perdão, eu peço, por ter sido tão sincero. Perdão, eu peço, por te mostrar o teu engano. Eis agora aqui as páginas de minha vida: Não hei mais de criticar a sociedade, nem de falar mal do ser humano. Rasgue em sua memória tudo que passou até agora, que eu rasgo de minha trajetória tudo o que restou de mim e tudo aquilo que te ignora.
Morre aqui um fracassado e energúmeno, medíocre e lacerado escritor. Não sirvo para juntar as letras e transformá-las em palavras que unidas em versos farão de meus ditos um pierrot, um maligno e retrógrado instrumento de análise psíquica e física humana. Morre aqui meu texto imerso em palavras e rimas e versos que não mais dirão de nós nada do que somos nem mesmo do que fomos. E assim ficamos livres. Livres de sermos achados, entendidos, debochados, analisados, avaliados, nem maltratados por nossos enganos.
Castigaria-me o autor da vida por finalizar aqui a minha história? Enviaria-me ao inferno? Então envia, grandioso espírito eterno, pois eu sou incorreto e indigno de tua graça e misericórdia. Envia-me ao inferno, pois não mereço lugar de gozo no teu paraíso cintilante diante da podridão que minha alma exaspera e explora. Envia-me, pois não anseio sequer um segundo viver ocultado sobre panos pretos em minha arte. (gritando) Shakespeare! Segui o teu caminho até diante do exército que me devora. E eis que a minha caminhada é apenas até esta hora. De agora em diante não estarei mais nesta jornada.
Os homens sempre pensaram e pensarão, um dia, que o mundo esteve e estará mudado. Que viveram mas que não mais viverão num mar de calúnias e que sempre lembraram e hão de lembrar de amar a vida, ou que tudo que houve ou há de ser contra foi e é culpa unicamente da miséria e da corrupção que houve em demasia no seu passado.
E continuarão enganados, como foram todos os homens que habitaram o mundo desde o princípio. Continuarão vivendo sem perceber que a culpa dos ultrajes deste mundo é unicamente deles, os passivos, já que tudo que se vê é fruto e obra de suas próprias mãos que permaneceram abertas quando necessitavam segurar as rédeas com agressão.
Julgo cruel e tentativa infiel foi a minha ao tentar seguir os passos daqueles que tentaram com palavras mudar um pouco o pensamento do mundo. O Homem e seu preceito é a mentira em seu deleito. O mundo é uma farsa e nós somos personagens ilustratórios da nossa própria história. Não a verdadeira, mas a que nos agrada. Afasto-me deste sonho e saio agora do quadro daqueles que pintam os incômodos desta vida. Que pintem outros homens seus horrores, seus desamores, sendo do caos seus professores e seus próprios registradores. Eu busco pra mim novas cores.
Sempre fiz de meus escritos uma aquarela de letreiros. E em suas mais variadas formas e cores eu disse flores e disse farpas que feriram e perfumaram seus amores e seus dissabores em seu próprio leito.
Diante do caos, a humanidade se choca, e evoca, a ela mesma, pedidos de trégua ao mal que ela causa a ela própria. Mente a si mesma. Mente... Mente... Mente... E onde está a verdade? Onde? Foi tudo em vão. E tudo mais é sem sentido. Perdeu a dimensão. E se as palavras que absorvem de minha boca lhes parece sem sentido, então eu me calo e também peço que não me ouçam. Porque não hão de fazer, estas palavras, sentido algum na vida dos que não vêem nesta causa algum sentido.
Mas se acharem nelas algum motivo, é porque ainda restará, dentro de si mesmo, algo nesta vida que lhe apraz e que lhe dá, de minhas palavras, a sua razão. Mas não se alegre caso se inclua nesta última opção porque somos a menoria. A parte ínfima de tudo. Desertamos, nós, eu e os que se considerem iguais a mim, ao ápice desta progressão geométrica absurda. E então agora, enfim, chegou o dia que eu tanto temi... O dia que eu temi dizer: Foi tudo em vão. O dia em que sou um homem sozinho e ELES, os sem sentido, serão todos os homens da ocasião. E para este dia, não há nem haverá solução.(rasga as páginas de seu texto)
Findo aqui o meu percurso. Findo aqui todo o meu discurso. Eis as páginas de minha história, eis as páginas da vossas feridas, cicatrizes, e o que rasgo são vossos remédios, as vossas curas. Leiam todos a história que se escreve no livro das nossas vidas: Para mim, não há mais nada. Só há enfim uma grande dor. Findou aqui a minha trajetória. Acabou... acabou... acabou. (as páginas no chão)
Oscar Calixto
Enviado por Oscar Calixto em 03/01/2007
Alterado em 03/01/2007