Expresso para o Sertão - Capítulo III
Já tarde da noite estava seu Josenildo sentado na sala da casa, na cadeira de balanço, dormindo com a escopeta nas mãos... Erlinda veio de mansinho, vestida de camisola, e espiou o velho dormindo. Percebendo que seu sono era profundo, resolveu pular a janela do quarto para se encontrar com Jacinto.
No celeiro, Jacinto estava num pé e noutro, sem saber o que fazer, andando pra lá e pra cá...
- Ai, meu Jesus, o que é que faço eu agora? Como é que eu escapo dessa? Como é que eu vou provar a ele que sou Palhares, se eu sou é um Soares? Como é que eu vou dar conta disso, meu pai? Fora que se meu pai souber que me envolvi com essa gente, é capaz dele arrancar meu couro!
Do lado de fora ele ouviu Erlinda chamando:
- Jacinto! Jacinto!
- Pela hóstia consagrada! Será que é alma que já está me chamando?
- Jacintoooo!
- Valha-me Cristo! Por que é que ao invés daquele trem eu não peguei um ônibus? Agora escuto alma me chamando...
- Jacinto, sou eu, Erlinda!
- Erlinda? Mas como?
Questionante, ele acendeu um fósforo.
- Erlinda? É você mesmo?
- Sou eu sim! Onde você está?
- Aqui! Não tá vendo a luz?
- Tô!
- E então... Eu to aqui!
- Então toma, acende esse candeeiro!
- O que você está fazendo aqui, sua maluca! Se seu pai ver, é capaz de matar nós dois de uma vezada só.
- Vê nada! Ele ta dormindo... Roncando... Tá no décimo sono, já...
- E o que é que tu veio fazer aqui?
- Eu vim ver como é que você está...
- Eu estou bem, agora vá simbora, vá...
- Oxente, tu não me quer aqui nem por um instante?
- Querer eu quero! Mas se o velho der por sua falta, vai me matar!
- Oxe, fique tranqüilo, conheço meu pai... Não vai se levantar até de manhã...
- Erlinda, eu preciso lhe confessar uma coisa...
- Pois diga!
- Eu sou mesmo dos Soares!
- Oxe, eu sei disso, homi! Não lhe ajudei a enganar o meu pai?
- Ajudou e eu lhe agradeço bastante! Mas eu acho que vou-me embora e vou dar um jeito de ir pro Rio de Janeiro logo pela manhã, porque não tenho como provar que eu sou um Palhares, não sabe?
- Esquente não, nós damos um jeito. Mas se quer saber a verdade... Eu não gostaria que tu fosse para o Rio de Janeiro!
- E é? Mode o que?
- Mode que eu acho que estou gostando de tu, não sabe?
- Oxente, e é verdade isso mesmo?
- É, a mais pura verdade!
- Pois eu quero que tu saiba que eu também to doidinho por tu... Por mim, nós tinha casado era ali mesmo naquele trem. No exato momento em que tu caiu no meu colo!
- Eu também. Se nós conseguir escapar dessa, tu casa comigo de verdade?
- Oxe, se caso! Até debaixo d’água!
- Pois então já que nós não sabemos o que vai ser do nosso futuro, faça amor comigo, faça!
- Oxe, mas assim de repente? Se você mesma disse que não fazia isso de jeito nenhum!
- Mas eu mudei de idéia... Se todo mundo um dia se ajunta e faz essas coisas, é porque deve de ser é muito bom.
- Oxe, mas aqui, assim, eu não sei se consigo!
- Não? Porque?
- Por causa do seu pai...
- Esqueça ele... O velho dorme que nem uma pedra! Não vai se dar conta de que eu saí de casa! Ande vá... Beije a sua princesa, beije...
- É que eu não sei se devo...
- Tu sabe ou não sabe fazer o que me disse?
- Sei, sei sim... Sei tudo! Eu já vi como é numas revistas!
- Que revistas?
- Umas revistas que meu primo tem! Mostra direitinho como é que se faz!
- Pois então me ensine! Senão eu vou pensar que você é frouxo!
- Pois então venha pra cá, que eu vou lhe mostrar quem é frouxo!
- Pronto. Tô aqui!
- Se deite!
- Deitei!
- Não, homi! De barriga pra cima!
- Pronto!
- Agora vire de banda!
- Virei!
- Fica de quatro!
- Fiquei!
- Agora ajoelha!
- Ajoelhei!
- Levanta a cabeça!
- Levantei!
- Agora abra a boca!
- Oxente, homi, que negócio mais complicado! É preciso mesmo esse malabarismo todo? Eu to aqui parecendo mais uma anta!
- Desculpe, Erlinda, mas é que eu também nunca fiz esse negócio... Só vi nas revistas do meu primo, não sabe?
- E era assim desse jeito?
- Era!
- Eu acho que é melhor nós tentar outra coisa, então!
- Tentar outra coisa? Mas o que?
- Não sei, mas eu acho que tudo começa é do nada!
- Do nada?
- É, que nem fez meu coração da primeira vez que te vi.
- Hum... Entendi... Eu olhando pra você... Você pra mim...
- E nada mais ao redor... Ficou tudo tão em silêncio que até seu coração eu senti.
- E eu senti o seu também, me deu um arrepio na pele e uma coisa tão doida, que a única coisa que eu via era a luz dos teus olhos olhando pra mim...
- E eu a luz dos seus, que eram tão meus, que não pude mentir.
- Senti o meu corpo suando e flutuando, que nem anum sem ninho.
- E a única coisa que eu queria...
- Era unir os meus lábios
- Com os lábios teus... (os dois juntos)
- Sem nada falar...
- Mas querendo dizer...
- O que tinha de você...
- Dentro de mim... Assim:
Erlinda e Jacinto beijaram-se e passaram juntos aquela noite.
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